quinta-feira, 9 de abril de 2015

ENTARDECER


CONTO



O entardecer na ilha era algo magnífico e digno de ser apreciado, os pescadores voltando de seu dia de trabalho, atracando seus barcos no ancoradouro, desmontando suas tralhas de pescaria, lavando as redes. O sol também parecia querer descansar, descia lentamente dando ao céu tons de laranja, rosa e azul. Do lado esquerdo a praia do rio havia alguns coqueiros em meio a mata fechada, ao seu lado um píer que ia uns cem metros rio adentro, onde os visitantes da ilha podiam desembarcar. Andando mais um minuto para a direita se alcança a estrada que subo e dá nos chalés e bangalôs que formam a alameda.

O rio adormecia. O canto dos pássaros em sua revoada vespertina buscando o aconchego dos galhos das arvores se ouvia até bem longe do rio, o vento morno do verão, tudo dava a praia um aspecto onírico. Quando as tardes eram muito quentes os garotos se lançavam na praia do rio. A verdade é que, não importa o que se faça na ilha, tudo ali é muito relaxante.

E foi justamente isso que a trouxera àquele lugar.

Diva vieira morar na ilha deixando, definitivamente, para trás a vida na cidade, com a intenção de construir uma nova vida para si mesma. Aquele lugar tinha, para ela, uma familiaridade confortável, como se vivesse ali desde sempre. No pouco tempo que estava ali já não se via morando em outro lugar.

A casa que lhe servia de residência era na verdade um bangalô. A fachada de granito recebia o vento vindo do norte, na lateral, janelas pequenas e fundas tinham parapeitos onde cabiam os vasos de violetas que Diva adorava colecionar. Outrora havia sido a residência de um político da ilha, após sua morte um sobrinho que a herdou passou a alugá-la durante a temporada de férias. Não era uma casa grande, mas lhe serviria muito bem e a vista era linda – ficava no alto de um morro – rodeada de um jardim bem cuidado e cercada por algumas paineiras imensas, do lado sul havia um gramado sombreado, trepadeiras subiam pelas paredes e um pé de camélia florescia. Era perfeito. Pitoresco.

Diva alugou o bangalô, mas estava fazendo uma oferta de compra. O dinheiro que tinha não era muito, apenas algumas economias e o dinheiro da rescisão trabalhista recebida por ocasião da aposentadoria, mas ela estava otimista.

            - O proprietário interessou-se por sua proposta dona Diva – falou-lhe a corretora há alguns dias.
                 - Que bom. Conheci muitos lugares bonitos em minha vida, mas em nenhum me senti tão bem quanto aqui. Pretendo ficar aqui para sempre. E por falar nisso, você saberia-me dizer onde posso conseguir companhia? Diante do espanto da moça Diva se viu obrigada a explicar: - Calma. Só estou a procura de um cão.
                  - Ah! Sim... é claro... desculpe.
                  - Tudo bem. Não se preocupe.
                - Aqui na ilha não há, mas no continente tem um lugar chamado Pedigree – Lar para Cães. 
                - Lá com certeza a senhora vai conseguir qualquer tipo de cão que procure. - Diva agradeceu e já foi logo saindo para o endereço recém-conseguido.
Levou uma sofrida meia hora procurando, não queria um cachorro muito grande que pudesse arrastá-la, mas também não queria um muito pequeno para carregar no colo. Quando o viu sentado junto a grade olhando para ela com seus langorosos olhos cor de mel, teve certeza: é ele.

Deixou-o sob os cuidados do pet shop próximo local enquanto fazia um lanche, estava faminta. Quando voltou para ela estava fofo e cheiroso.

Sentado no banco do carona no velho carro ia admirando a paisagem pela janela, como que meditando sobre a nova vida à qual teria de se acostumar. Diva olhava para ele imaginando qual nome lhe daria, por um momento pensava num nome por outro divagava a respeito de sua própria vida.

Aquele era um momento delicado. Tantas mudanças haviam ocorrido que as vezes tinha a impressão que sua vida estava de cabeça para baixo. Parar de trabalhar e mudar uma rotina de mais de trinta anos, mudar de cidade. Quem imaginaria Diva, aposentada e tendo um cachorro para lhe fazer companhia? Se alguém lhe falasse isso há dez anos ela teria gargalhado na cara do sujeito.

Parou para esperar os outros carros entrarem na balsa, teve sorte de chegar no momento do embarque e ainda haver lugar para seu carro, naquele horário todos voltam para a ilha depois do dia de trabalho. Dentro da balsa voltou a pensar voltou a pensar em um nome para o cão, que tal Dibton? – perguntava a ela – vi este nome em algum livro. Você gosta de ler? Que bobagem ele é um cão!!! – repreendeu-se – Eu gosto e muito – disse ela – e agora terei tempo livre para ler todos os livros que quiser. Acho que isso é bom... espero. – disse mais para si mesma do que para o cãozinho.

A água do rio, o ronco monótono do motor a fez pensar em Jorge, em seu último aniversário juntos, seu companheirismo, em como era difícil continuar sem ele. A imagem da água começou a embaçar. Diva percebeu que seus olhos estavam cheios de lagrimas. As lagrimas estancara. Ridículo. Tinha sessenta e dois anos e estava chorando como uma adolescente que perdera o namorado! Mesmo assim se deixou ficar olhando a paisagem. Querendo compartilhar aquela linda visão. Talvez aquilo fosse o pior de tudo, não ter com quem rememorar as coisas.

Em casa tudo estava completamente silencioso, exceto pelas batidas do relógio sobre o armário, mostrando o passar dos segundos. Diva ficou ouvindo, esperando o consolo de ruídos domésticos vindos da cozinha ou um fio de musica do quarto. Nada. O silêncio era sufocante como neblina numa manha fria e cinzenta. O bangalô vazio. Mais ninguém. Apenas ela e Dibton.

Sentou-se na cama. Colocou Dibton a seu lado. Pegou o álbum de fotografias guardado no criado-mudo abriu-o e lentamente começou a olhar. Aquele álbum era um abrigo para ela. Lá era guardada a saudade. Fotos muito antigas, outras nem tanto, traziam melancólicas, mas incomparáveis lembranças. Pareciam retalhos de uma linda colcha. Jorge. Foram felizes durante tanto tempo, mal se lembrava da vida antes dele.

Colocou Dibton em sua cesta. Apanhou vários cobertores. Desta vez não resistiria. As lagrimas quentes rolaram por sua face branca e enrugada. Estava confusa, assustada até. Deitou-se de costa sob os cobertores apreciando mais seu peso que seu calor. O pensamento patinando. 

No mesmo momento a lua deslizava pelo teto.

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