CONTO
O entardecer na ilha
era algo magnífico e digno de ser apreciado, os pescadores voltando de seu dia
de trabalho, atracando seus barcos no ancoradouro, desmontando suas tralhas de
pescaria, lavando as redes. O sol também parecia querer descansar, descia
lentamente dando ao céu tons de laranja, rosa e azul. Do lado esquerdo a praia
do rio havia alguns coqueiros em meio a mata fechada, ao seu lado um píer que
ia uns cem metros rio adentro, onde os visitantes da ilha podiam desembarcar.
Andando mais um minuto para a direita se alcança a estrada que subo e dá nos
chalés e bangalôs que formam a alameda.
O rio adormecia. O canto
dos pássaros em sua revoada vespertina buscando o aconchego dos galhos das
arvores se ouvia até bem longe do rio, o vento morno do verão, tudo dava a
praia um aspecto onírico. Quando as tardes eram muito quentes os garotos se
lançavam na praia do rio. A verdade é que, não importa o que se faça na ilha,
tudo ali é muito relaxante.
E foi justamente isso que
a trouxera àquele lugar.
Diva vieira morar na
ilha deixando, definitivamente, para trás a vida na cidade, com a intenção de
construir uma nova vida para si mesma. Aquele lugar tinha, para ela, uma
familiaridade confortável, como se vivesse ali desde sempre. No pouco tempo que
estava ali já não se via morando em outro lugar.
A casa que lhe servia
de residência era na verdade um bangalô. A fachada de granito recebia o vento
vindo do norte, na lateral, janelas pequenas e fundas tinham parapeitos onde
cabiam os vasos de violetas que Diva adorava colecionar. Outrora havia sido a
residência de um político da ilha, após sua morte um sobrinho que a herdou
passou a alugá-la durante a temporada de férias. Não era uma casa grande, mas
lhe serviria muito bem e a vista era linda – ficava no alto de um morro –
rodeada de um jardim bem cuidado e cercada por algumas paineiras imensas, do
lado sul havia um gramado sombreado, trepadeiras subiam pelas paredes e um pé
de camélia florescia. Era perfeito. Pitoresco.
Diva alugou o bangalô,
mas estava fazendo uma oferta de compra. O dinheiro que tinha não era muito,
apenas algumas economias e o dinheiro da rescisão trabalhista recebida por
ocasião da aposentadoria, mas ela estava otimista.
- O proprietário
interessou-se por sua proposta dona Diva – falou-lhe a corretora há alguns
dias.
- Que bom. Conheci
muitos lugares bonitos em minha vida, mas em nenhum me senti tão bem quanto
aqui. Pretendo ficar aqui para sempre. E por falar nisso, você saberia-me dizer
onde posso conseguir companhia? Diante do espanto da moça Diva se viu obrigada
a explicar: - Calma. Só estou a procura de um cão.
- Ah! Sim... é claro...
desculpe.
- Tudo bem. Não se
preocupe.
- Aqui na ilha não há,
mas no continente tem um lugar chamado Pedigree – Lar para Cães.
- Lá com certeza
a senhora vai conseguir qualquer tipo de cão que procure. - Diva agradeceu e já
foi logo saindo para o endereço recém-conseguido.
Levou uma sofrida meia
hora procurando, não queria um cachorro muito grande que pudesse arrastá-la,
mas também não queria um muito pequeno para carregar no colo. Quando o viu
sentado junto a grade olhando para ela com seus langorosos olhos cor de mel,
teve certeza: é ele.
Deixou-o sob os
cuidados do pet shop próximo local enquanto fazia um lanche, estava faminta. Quando
voltou para ela estava fofo e cheiroso.
Sentado no banco do
carona no velho carro ia admirando a paisagem pela janela, como que meditando
sobre a nova vida à qual teria de se acostumar. Diva olhava para ele imaginando
qual nome lhe daria, por um momento pensava num nome por outro divagava a
respeito de sua própria vida.
Aquele era um momento
delicado. Tantas mudanças haviam ocorrido que as vezes tinha a impressão que
sua vida estava de cabeça para baixo. Parar de trabalhar e mudar uma rotina de
mais de trinta anos, mudar de cidade. Quem imaginaria Diva, aposentada e tendo
um cachorro para lhe fazer companhia? Se alguém lhe falasse isso há dez anos
ela teria gargalhado na cara do sujeito.
Parou para esperar os
outros carros entrarem na balsa, teve sorte de chegar no momento do embarque e ainda
haver lugar para seu carro, naquele horário todos voltam para a ilha depois do
dia de trabalho. Dentro da balsa voltou a pensar voltou a pensar em um nome
para o cão, que tal Dibton? – perguntava a ela – vi este nome em algum livro. Você
gosta de ler? Que bobagem ele é um cão!!! – repreendeu-se – Eu gosto e muito –
disse ela – e agora terei tempo livre para ler todos os livros que quiser. Acho
que isso é bom... espero. – disse mais para si mesma do que para o cãozinho.
A água do rio, o ronco
monótono do motor a fez pensar em Jorge, em seu último aniversário juntos, seu
companheirismo, em como era difícil continuar sem ele. A imagem da água começou
a embaçar. Diva percebeu que seus olhos estavam cheios de lagrimas. As lagrimas
estancara. Ridículo. Tinha sessenta e dois anos e estava chorando como uma
adolescente que perdera o namorado! Mesmo assim se deixou ficar olhando a
paisagem. Querendo compartilhar aquela linda visão. Talvez aquilo fosse o pior
de tudo, não ter com quem rememorar as coisas.
Em casa tudo estava
completamente silencioso, exceto pelas batidas do relógio sobre o armário,
mostrando o passar dos segundos. Diva ficou ouvindo, esperando o consolo de ruídos
domésticos vindos da cozinha ou um fio de musica do quarto. Nada. O silêncio era
sufocante como neblina numa manha fria e cinzenta. O bangalô vazio. Mais ninguém.
Apenas ela e Dibton.
Sentou-se na cama. Colocou
Dibton a seu lado. Pegou o álbum de fotografias guardado no criado-mudo abriu-o
e lentamente começou a olhar. Aquele álbum era um abrigo para ela. Lá era
guardada a saudade. Fotos muito antigas, outras nem tanto, traziam melancólicas,
mas incomparáveis lembranças. Pareciam retalhos de uma linda colcha. Jorge. Foram
felizes durante tanto tempo, mal se lembrava da vida antes dele.
Colocou Dibton em sua
cesta. Apanhou vários cobertores. Desta vez não resistiria. As lagrimas quentes
rolaram por sua face branca e enrugada. Estava confusa, assustada até. Deitou-se
de costa sob os cobertores apreciando mais seu peso que seu calor. O pensamento
patinando.
No mesmo momento a lua deslizava pelo teto.
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